Angola e Recife-Olinda - incluindo família de Maia Ferreira


A pesquisa que fiz, quanto aos estudos do nosso primeiro poeta publicado, não foi muito bem-sucedida no que diz respeito aos anos que José da Silva Maia Ferreira passou no Brasil. A dificuldade deriva precisamente de, nesse tempo, parte do percurso se perder, a tal ponto que, sobre o segundo período da sua vida, o principal biógrafo escreve “que durou onze anos e corresponde à fase em que andou pelas escolas do Brasil [...] a granjear cabedal de saber” – apenas isto. Carlos Pacheco reconhece, na mesma obra, que “recentes pesquisas nossas no Rio de Janeiro” não tinham “logrado completos resultados” [quanto ao “roteiro académico de Maia Ferreira”]. Por tal motivo não lhe foi possível saber onde “cumpriu o autor das Espontaneidades da minha alma os estudos secundários”.

Pelo poema «A minha terra» percebe-se que, antes do retorno a Luanda em 1849, viu 
as belezas da terra 
Da tua terra sem igual 
[.../...] 
muito do que encerra 
o teu lindo Portugal
- e repare-se, de passagem, na diferenciação: "o teu lindo Portugal", "da tua terra sem igual". Isso não nos garantia que ele tivesse estudado em Portugal, mas alertava-nos para tal possibilidade. O que efetivamente se verificou, como refiro em outro passo, tendo o poeta chegado ao Rio de Janeiro, vindo de Portugal, a 19.4.1844, pouco depois da morte do pai. Não sei, por enquanto, em que ano e mês ele partiu para Lisboa, calculo que lá tivesse estudado a partir de 1841. Essa, pelo menos, é a data do primeiro desenho litografado que o Lycée Parisien publicou desse seu aluno e foi mesmo pelas duas litografias do aluno publicadas, sob orientação do mestre espanhol Avilez, que percebi ter “J. S. Maia Ferreira” estudado em Lisboa nesses anos, conforme anotei já (v. secção anterior).

O que se passava em Lisboa durante esses três anos em que o poeta lá residiu? Em parte vimos quais os companheiros, colegas e amigos que teve e que subscrevem mensagens solidárias e saudosas no seu álbum muitos anos depois. Entretanto, fora do círculo pessoal, Joaquim António de Carvalho e Menezes, que estava como Deputado nas Cortes, regressa a Luanda em 1842 e tenta levar consigo a tipografia de O paquete do Ultramar. Avisado, em cima da hora, de que o navio seria afundado com a tipografia, consegue ainda vendê-la e foge. Não sei se o jovem Maia Ferreira teve conhecimento destes acontecimentos, mas acho provável que sim e que isso tenha ressuscitado nele a paixão por Angola. Nesse mesmo ano de 1842 Eugène Sue fizera sair (a partir de 19 de Junho) Les mystères de Paris em folhetins (do Journal des débats) - que rapidamente chegariam a Lisboa. 

Em 1843, Honório Pereira Barreto fizera imprimir, em Lisboa, a Memória sobre o estado atual da Senegâmbia Portuguesa, causas da sua decadência e meios de a fazer prosperar. É sintomático este nome, assaz respeitado na época, porque ele nascera no forte de Cacheu (Guiné-Bissau) e chegara a ser governador da Guiné, pertencendo a família mista (caboverdiana e guineense) que praticamente governara a cidade militar de Ziguinchor desde meados do século XVIII. O seu pai, rico e influente, ao morrer deixou propriedades ("terras") na Guiné, em Cabo Verde, no Brasil e uma casa em Lisboa. Honório Barreto, que então se encontrava em Lisboa a estudar, teve também que regressar (no caso, à Guiné) para tomar conta dos negócios do pai depois do seu falecimento. Mas igualmente significativo será que o título nos recorde a similar Memória de Joaquim António de Carvalho e Menezes. Os filhos da terra tentavam, portanto, continuar esforços no sentido do desenvolvimento das respetivas colónias. Aliás, o angolense regressou nesse ano a Portugal para se defender da cabala contra si montada. Nesse mesmo Portugal, em Coimbra, Gonçalves Dias escrevia a «Canção do exílio» e na mesma cidade, no começo de 1844, era criado O trovador, onde colaboraram vários amigos de Maia Ferreira. 

Uma vez ultrapassados os estudos secundários, o pai do poeta faleceu (no Rio de Janeiro, no começo de agosto de 1843) e ele não terá prosseguido estudos, regressando ao Rio, onde se encontravam a mãe e a maior parte da família próxima. Necessário foi que se voltasse para a vida prática, para a sobrevivência e talvez o negócio (foi dado como “comerciante” ao chegar a Luanda, a 19.9.1849). Na sequência da busca de solução dentro do status da família, ou por causa de qualquer outro caso que refere em carta mas nunca esclareceu, ou simplesmente por saudade, mitificação da infância, partiu para “Angola” a 12.6.1845, na barca nacional (ou seja: brasileira) “Constança”. O mestre da barca era Teotónio Flávio da Silveira e os passageiros (todos com passaporte português, incluindo o nosso), eram Aniceto Duarte Ribeiro e António Dias Ramos. Esta informação, tirada aos avisos do Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, contradiz a que Pacheco recolheu em Luanda e que dá o poeta como tendo chegado aí, já morador nos Coqueiros (essa parte se confirma), a 24.5.1845, na barca “Constancia Brazileira”. Verifiquei todas as menções à barca brasileira “Constança”, ou “Constancia”, ou “Constancia Brazileira”, quer relativas a embarques e despacho de passageiros, quer a despacho de mercadorias. Nos meses de Março até Maio não vi nunca lá mencionado o nome do poeta. Acresce que, segundo os avisos do Jornal do Comércio, ele foi despachado para Angra (dos Reis) a 28.5.1845 (e não para Angola). Era verosímil a partida, uma vez que lá se instalara com a família, como Juiz, José Matoso de Andrade Câmara (primo de sua mãe, penso que avô do linguista Joaquim Matoso Câmara Jr), que era já Juiz em Angra desde Novembro de 1843 e que dali partiu só em Dezembro de 1845. Porém, nas embarcações que seguiram para Angra e cuja saída foi anunciada no jornal, o nome de Maia Ferreira não consta nunca entre os passageiros. Ou seja: foi despachado para lá, mas não partiu. O seu nome só aparece numa lista de passageiros saídos para Angola, já não para Angra, a 12.6.1845. Não sei se ele teria qualquer interesse em mascarar a partida (por causa, por exemplo, da confusão do seu nome com o do pai, depreciado após o aprisionamento, pelos ingleses, da barca Bella Ângela, logo a seguir à sua morte mas ainda fundido com o seu nome) e se a tal interesse devamos reportar estas contradições nas datas e nos anúncios dos jornais. É um ponto para esclarecer, mas, de qualquer modo, importa-nos ir além do preciosismo cronológico e fixar apenas que o nosso poeta partiu para Angola, segundo os registos do porto saídos no Jornal do Comércio, em 13 de Junho de 1845 (p. 4), não realizando estudos superiores. Entretanto acabara de sair para venda, segundo anúncio do mesmo periódico a 6.6.1845 (p. 3), “o terceiro volume do Judeo Errante”, pelo preço de 1000 réis. O jornal alertava os compradores “dos dous primeiros volumes” para não se atrasarem na compra deste, para não suceder com eles o que “aconteceu a muitos compradores dos primeiros volumes dos Mysterios de Paris que […] acharão já esgotada a edição do sexto volume”. O nosso amigo Sue encontrava-se em alta… e um candidato a poeta ia para Luanda tratar da vida, construindo uma alternativa ao Guia prático de orfanologia brasileira.

Outros, porém, na sua família, tiraram cursos superiores e torna-se imperioso seguir-lhes o rasto porque, por eles também, notícias culturais, bibliografia, teorias e filosofias haviam de ser abordadas em família, transitando com os respetivos títulos e navios e migrantes. Levantar o rasto desses outros, ou pelo menos do mais importante deles, compensará o insucesso do biógrafo, completado com a ausência de resultados na consulta que fiz aos jornais portugueses da época e aos arquivos universitários de São Paulo e do Recife (onde houve estudos superiores de Direito), nos quais nenhum José da Silva Maia Ferreira esteve, sequer, inscrito. Há que procurar outras fontes que possam neutralizar a escassez de dados e nos indiquem pistas acerca da bibliografia que circulava nessa rede familiar e comercial. O poeta, concretamente, só consegui saber que estudou no Lycée Parisien de Lisboa, no começo da década de 1840. Onde estudaram, portanto, os parentes de Maia Ferreira? Quanto ao Brasil, onde residiram os envolvidos na rede familiar e comercial dos Maia Ferreira pela parte de sua mãe?

O passo a dar em seguida era o de pesquisar, em outros centros urbanos brasileiros, referências à família de Maia Ferreira e a estudos secundários, ou de qualidade reconhecida como superior. Tinha que procurar, pois, fora do Rio de Janeiro – o que também os dados fornecidos pelos historiadores aconselhavam, ao garantirem que os percursos comerciais dos séculos XVIII e XIX incluíam, com muita frequência, os portos da Baía e de Pernambuco, desde cedo assistidos por colégios de jesuítas e não só, portanto colégios com longa tradição na área do ensino. Fora do ensino religioso, muitos “papéis” e livros circulavam pelas “carreiras” que ligavam os dois portos brasileiros a Angola. Carlos Pacheco refere, por exemplo, que, em 1817, o governador “Luís da Mota Fêo mandou apreender uns papéis provenientes de Pernambuco, transportados pelo mestre do bergantim Regeneração e destinados ao juiz de fora de Luanda, Manuel de Leite Faria, que fora descoberto por andar a propalar junto de personalidades gradas da terra as máximas contidas nos referidos impressos” (Pacheco, 2000 p. 33). Não por acaso, a previsível e próxima chegada, ao público em geral, de pormenorizada notícia da “revolução em Pernambuco” (a liberal e republicana 'revolução dos padres', ou 'pernambucana') preocupava o governador-geral no princípio de 1821 (Pacheco, 2000 p. 38). Pernambuco era, nesse tempo, um viveiro de conjeturas revolucionárias, filiações maçónicas, republicanas, autonomistas, liberais e, quiçá, libertárias também (avant la lettre). Havendo “papéis provenientes de Pernambuco” a circular por Angola, esse mercado bibliográfico tornava-se fundamental para conhecermos a circulação de livros (e, consequentemente, ideias) por Angola durante a primeira metade do século XIX.

São factos que se podem confirmar ainda pela consulta dos escassos jornais da primeira metade do século romântico. Por aí soube que Luiz de Queiroz Coutinho Junior fora aprovado “plenamente, com preferência”, na “aula de primeiras letras e grammatica nacional” do Colégio Pernambucano, entre 3 e 9 de Dezembro de 1840[1]. Pelo nome, deve tratar-se de alguém muito próximo do nosso poeta (em parte xará do seu irmão) e isso reforça a intuição de uma ligação forte da família à zona de Recife-Olinda, marcada pelo ensino também. Sendo "Coutinho" e não "Regadas", era parente por parte materna, de Dª Ângela de Medeiros Matoso de Andrade. Em 1842, o “Comando das Armas”, em expediente de 23 de Março, fez saber que o “Capitão mandante Luís de Queiroz Coutinho” foi nomeado Presidente “de um Conselho de Investigação”[2]. Seria talvez o pai do colegial, que por outro anúncio ficamos a saber ter sido membro de “vários Conselhos de Direção” que se haviam de fazer “a diversas praças” e militou chefiando o Batalhão de Caçadores n.º 11, com o mesmo título de Capitão, contra a Cabanada em 1832 (Almeida, 2008 p. 215). Ele assina ainda um requerimento, enquanto Capitão, ao “Exm.º Sr. Barão Presidente da Província”[3] e estivera preso, muito antes, em 1823, sendo reintegrado a 10.11.1823 em Alagoas.

Atentando na circulação de famílias angolanas dentro do que Mário António chamava o “arquipélago luso-atlântico”, conceito que alarga a noção de “área cultural luso-brasileira” de Jorge Dias, facilmente nos deparamos com a frequência de referências ao porto de Recife-Olinda. Sabia também, por alguns dos livros antes citados e por jornais já consultados, que várias famílias angolanas tiveram residência em Pernambuco, alicerçada genericamente no comércio e, muitas vezes, no tráfico de escravos. São mais conhecidos os casos de D.ª Ana Joaquina dos Santos e de Arsénio de Carpo. O comércio de escravos terá sido o negócio mais rendoso (além do imobiliário) do pai José da Silva Maia Ferreira, o que o aproxima ainda mais da zona de Recife-Olinda. Nessa zona teve dois sócios, em uma sociedade por quotas desfeita em 1835 no Rio de Janeiro, sendo que os sócios foram representados por procurador, visto morarem na “cidade de Pernambuco” (Pacheco, 1992 p. 39). Curiosamente, um dos sócios era negreiro e já tinha sido sócio de Arsénio de Carpo, o famoso negreiro anarquista e com pretensões a poeta. Os livros lidos, em Luanda ou no Rio de Janeiro, pelo poeta, podiam também ter sido lidos, por ele ou por familiares, ou por amigos do pai no Recife, ou ter sido de lá trazidos por quem, da família ou da mesma rede comercial e clientelar, corresse atrás da fama dos Estudos Jurídicos de Olinda, ou vivesse ali do comércio e frequentasse a casa de Maia Ferreira no Rio, ou frequentasse qualquer outra casa de convívio comum.

Por coincidência, um dos amigos de Maia Ferreira em Benguela (e em Luanda), o Major Joaquim Luiz Bastos (além de militar, um comerciante rico), que ainda chegou a ser nomeado Governador de Benguela como disse, era filho de uma senhora da terra, Filipa de Melo, “parda livre”, e de “António Luís Bastos”, pernambucano como seu avô (Pacheco, 1992 p. 59). Joaquim Luiz Bastos fez parte, com Manuel da Costa Carmo, José da Silva Maia Ferreira e outros, de um grupo acusado por algumas autoridades de lusofobia – o grupo Jovem Luanda, cujo nome evoca a Jovem Itália de Mazzini. É muito provável que Bastos, tanto quanto o pai de Maia Ferreira o fez, ainda negociasse com o Recife quando o poeta estava em Benguela e ali coincidiram. A possível ligação do grupo a lojas maçónicas ‘nativistas’, ou de inspiração ‘brasileira’, a confirmar-se, reforça a sugestão de uma bibliografia subversiva (para os valores da época) vinda em parte da zona de Recife-Olinda (de onde viera também A. J. Miranda Falcão – o fundador do Diário de Pernambuco) e, na parte restante, do Rio de Janeiro e de Lisboa ou do Porto.

Afigurou-se-me, em resumo, na zona de Recife-Olinda, um ensino de qualidade superior e prestigiado, um bom ensino ‘médio’ e a possibilidade de encontrarmos o rasto de famílias de comerciantes angolanos, ligados ou não ao negócio da escravatura, que era também o do pai José da Silva Maia Ferreira. Esta zona, contrastada com o que recolhesse em Luanda, Benguela e Rio de Janeiro, permitia-me precisar alguns aspetos do horizonte bibliográfico no qual a nossa literatura entrou na fase sistemática e de publicação. 

Programei, por isso, um longo trabalho de investigação a realizar em Pernambuco, incidindo, simultaneamente, sobre estas duas vertentes, a bibliográfica e a biográfica. Entre outros, o objetivo era o de procurar os nomes que, da família de Maia Ferreira, ou da mesma época e territórios da sua infância e adolescência, podiam ter levado para o poeta, ou para Angola, livros que circulavam naquele mercado. Segundo objetivo: saber que títulos podiam ter sido levados.

No que diz respeito à componente biográfica (de Maia Ferreira), os limites iniciais eram os de 1834, ano em que o poeta (nascido em 1827) foi instalado pela família no Rio de Janeiro; e os limites finais os de 1845, ano em que abandonou o Brasil e regressou a Luanda, e 1849, data do último regresso do Rio de Janeiro. No que diz respeito à componente bibliográfica, o espetro alarga-se a alguns anos antes e procura apreender um leque de leituras mais vasto que o do poeta angolano — um leque luso-tropical de leituras — integrado num período que antecede imediatamente o da sua formação. Coincidiu com tais anos um combate mais intenso ao tráfico transatlântico de escravos entre Angola e Brasil, o que muito contribuiu para a separação entre os dois futuros países, pois com esse corte se cortava também muito do restante comércio que navegava à boleia dele, ou de carona. Por outro lado (ou pelo mesmo?), o medo que Portugal tinha de ver Angola associada ao Brasil e os interesses da Inglaterra em se consolidar como rainha dos mares levaram a um cada vez maior afastamento entre angolenses e brasileiros, um processo acentuado a partir do meio do século XIX. Portanto, conforme o poeta se afastou do Brasil (onde, praticamente, regressaria para morrer), a sua terra também se foi afastando da terra brasileira, numa dessas coincidências em que a História enreda, sem querer, um símbolo.

Por outro lado – o lado angolano – como já disse o leque temporal de pesquisas prolongou-se até 1900, para abrangermos as gerações posteriores ao poeta de «Benguelinha». A partir dos dados recolhidos é possível esboçar um quadro mínimo de leituras que vai desde Maia Ferreira até aos autores da Luz & crença. Quadro mínimo e, no entanto, ambicioso, como pude ver pelo trabalho que tive...

A elucidação do contexto biográfico beneficiou também do facto que já referi, de haver no Recife jornais continuados desde 1825, nomeadamente o Diário de Pernambuco, o mais antigo jornal em circulação na América Latina. A importância do Diário, nascido humilde e oportuno, deduzia-se logo desde a apresentação, feita pelo seu fundador (no primeiro número, claro):
Faltando nesta cidade assaz populosa um diário de anúncios, por meio do qual se facilitassem as transações, e se comunicassem ao público notícias, que a cada um em particular podem interessar, o administrador da Tipografia de Miranda e Companhia se propôs a publicar todos os dias da semana exceto aos domingos somente o presente diário, no qual debaixo dos títulos de – Compras – Vendas – Leilões – Aluguéis – Arrendamentos – Aforamentos – Roubos – Perdas – Achados – Fugidas e Apreensões de Escravos – Viagens – Afretamentos – Amas-de-leite etc, tudo quanto dissesse respeito a tais artigos; para o que tem convidado a todas as pessoas, que houvessem de fazer estes ou outros quaisquer anúncios, os levarem à mesma Tipografia que lhes serão impressos grátis, devendo ir assinados.
A importância do Diário, vim a confirmá-la posteriormente ao consultar o espólio de Maia Ferreira na Torre do Tombo e encontrar referências a uma correspondência dele com Antonino José de Miranda Falcão. Este seu mais velho amigo, a quem Maia Ferreira tratava com familiaridade – “meu caro” – e formalidade – “V.ª Sª” (mas não da forma cerimoniosa com que se dirigia a Carvalho Moreira – que fora colega de Eusébio de Queirós na Fac. de Direito e lhe resolveu o problema da colaboração no Jornal do comércio) tentava inseri-lo no Jornal do comércio como correspondente em Nova Iorque, pouco tempo depois da sua própria saída dos EUA. Mais tarde encaminhou alguma colaboração do poeta para o Correio mercantil, também do Rio de Janeiro. Quem foi Miranda Falcão?

O correspondente de Maia Ferreira criou, no bairro de São José do Recife, em 1825, Diario de Pernambuco e a respetiva tipografia. Ex-padre e ex-professor (do Trem Nacional – ou seja, do Arsenal de Guerra), revolucionário (envolvido na Confederação do Equador (1824), a tal título companheiro de Frei Caneca, imprimindo juntos o Typhis Pernambucano, cujo primeiro número saiu a 25.12.1823), liberal e republicano, Miranda Falcão veio a ter uma carreira de relevo para além do jornalismo. Entre outras funções desempenhou a de Cônsul-geral do Império nos Estados Unidos em 1852. Não sei se foi só aí que se conheceram, ou se já eram amigos ou conhecidos. A familiares seus, de certeza, Miranda Falcão devia conhecer desde o Recife. Sei que Maia Ferreira embarcou para Nova Iorque, provavelmente, no mês de Maio de 1851 (e seguramente depois de 8.5.1851, dia em que zarpara para o porto franco e livre do Ambriz), após a afrontosa demissão (a 15.1.1851) de escrivão das descargas da alfândega de Luanda por irregular comportamento, e repreensível conduta – que em nada mais se esclarece (Pacheco, 1992 p. 93)

Miranda Falcão, para além destes cargos, em um dos quais terá convivido com Maia Ferreira (a julgar pelas cartas deste), no Brasil ainda foi oficial de gabinete do Governo da Província do Rio Grande do Sul (1865), depois de administrar e redigir o Diário Oficial no Rio de Janeiro e depois de dirigir a Casa de Correção da Corte (num período em que Maia Ferreira se demorou algum tempo lá), na cidade onde veio a falecer em 1878, aos 80 anos de idade. Ele vendeu o Diário em 1835, mas o periódico tornou-se cada vez mais um jornal de referência, aumentou mesmo o seu prestígio, vindo a ser o jornal oficioso do governo local.

Nas folhas do Diário se incluía sempre referência aos passageiros dos navios e, por vezes, havia listas de estudantes “matriculados no Curso Jurídico de Olinda”. Portanto, para além das listas de livros que se encontravam à venda em determinada casa comercial, ou que os clientes procuravam por anúncio, ou ainda pelos que faziam parte da bagagem dos passageiros, eu tirava dali informações biográficas e contextuais úteis. Percebe-se então que, folheando essa coleção, ao mesmo tempo investigava a componente biográfica e a bibliográfica, preparando a compreensão das soluções técnicas habilidosas de Maia Ferreira e de Cordeiro da Mata, do mesmo passo fundamentando bibliograficamente a sua inserção social e política nos conflitos da época e nos projetos (fragmentários) de aventura literária.

Uma curta passagem por outros periódicos do Recife, como a Aurora pernambucana e O paiz (este já dos anos seguintes ao limite cronológico da pesquisa no local), deu-me a ideia de que dificilmente encontraria mina mais rica do que esta na imprensa pernambucana do século XIX, facto para o qual tinha sido alertado pela publicação comemorativa dos 150 anos do Diário. Procurando mais dados sobre estudantes, intelectuais ou políticos jovens pesquisei ainda O álbum dos académicos olindenses: jornal científico, literário e religioso (1850); O Argos olindense: periódico moral, político e literário (n.os 9-21; 1838); O Caheté: jornal político e literário (2 [11.2.1832]); O clamor público: jornal de sátira e crítica política (1845-1846); O conciliador pernambucano (30.1.1832); o Olindense: jornal político e literário (1831); O phileidemon: periódico científico e literário da Sociedade Phileidemica Olindense (1846-1847); O progresso: revista social, literária e científica (tomos I-III, 1846-1848). Guiei-me por uma boa fonte, o Catálogo dos jornais publicados nos municípios de Pernambuco, existente na secção de periódicos do Arquivo Público Estadual, e por outras fontes indicadas na bibliografia. Mas não recolhi destes periódicos nada significativo para a pesquisa.

Os resultados a que cheguei são ainda provisórios, visto que só consegui investigar os números de 1825 até 1832 e os de 1837, 1840, 1842, 1845 e parte de 1847, este último ano já fora do âmbito cronológico inicialmente estabelecido. No entanto, esses investiguei-os um por um, página a página, e os dados revelaram-se promissores, na medida em que foi possível descobrir uma série significativa de registos, que provavelmente se repetirão nos outros anos do mesmo período.

No que diz respeito ao contexto biográfico, passo a alinhavar tais resultados. Começo por nomes:


António de Queirós Monteiro Regadas é um nome indispensável nesta história. Era “natural do bispado do Porto” e “tio-avô do nosso poeta pelo lado paterno”, segundo Carlos Pacheco. Eis como isso aconteceu: sendo Alferes, entrou em 1801 na importante Irmandade do Corpo Santo em Luanda, de que foi, no biénio 1802-1803, um dos Mordomos, sendo ainda Procurador da Sta Casa da Misericórdia do “Hospital de Angola” em 1830, penso que no Recife. Tendo granjeado melhor posição, casou a 14.01.1811 com D.ª Rosa Francisca Regadas, natural de Luanda. D.ª Rosa era filha do bisavô do poeta, meia-irmã (mesmo pai) da avó paterna de José da Silva Maia Ferreira (D.ª Ana Maria de Jesus). Ou seja: sua tia-avó. 
Este comerciante já estava ativo no Recife no princípio do século XIX. Vendia, a 7.2.1827 (ano de nascimento do nosso poeta), “o Brigue S. Antonio Protetor, chegado ultimamente de Angola com escravos” e que já era seu em 26.6.1817 (quando entregou 353 escravos em “porto não especificado” de “Pernambuco”), tendo sido, entre 1819 e 1821, do seu capitão Luis de Queirós Monteiro Regadas (genro do pai do poeta, casado com a filha do seu primeiro casamento e meio-irmão de António de Queirós), reaparecendo como seu em Janeiro de 1826 (negociando para outros portos “americanos” também, “subsequentes” e “desconhecidos”). O “bergantin”, porém, pertencia ainda ao mesmo dono em Dezembro de 1829, sendo seu Capitão “António Félix dos Santos” (sobre este nome, v. abaixo). 
Ao mesmo tempo alugava um primeiro andar de sobrado na Rua da Guia, onde esteve situada a Sinagoga e perto da Capitania dos portos, como se pode confirmar nos mapas do Google. Residia, portanto, no nervo comercial da cidade. Parece, de resto, que se instalou solidamente, visto que ainda negociava em 1830 no mercado pernambucano. Por anúncio publicado no Diário de Pernambuco de 7.4.1830 (n.º 355, p. 1428) fez saber que a Santa Casa da Misericórdia do “Hospital de Angola” possuía, “no princípio da rua Direita, defronte do oitão da Igreja do Livramento, uma caza de 2 andares”, bem como 246 chãos, onde há prédios com casas “e os chãos rendem foros”. Nessa altura tinha António de Queiroz escritório na rua do Vigário do Recife. Recebia de Angola, conforme anúncio do número de 7 de Janeiro desse ano, o “Bridge Protetor” (em outro anúncio o “Brigue S. Antonio Protector”), desta vez com 430 escravos de “carga”, tendo nos 26 dias da viagem falecido 10 e sendo o navio “de M. António Felis dos Santos”, personagem que reaparece mais à frente nestas linhas. Já para o fim de 1830, António de Queirós Monteiro Regadas recebia uma carta, oriunda do Maranhão, anunciada no n.º 506 do Diário de Pernambuco. Era talvez a carta que anunciava a chegada a Pernambuco, nesse mês de Outubro, de Joaquim de Queirós Monteiro Regadas, oriundo do Maranhão e que, pelo n.º de 21 de Novembro de 1831 (p. 1016), ficamos a saber que partiria para “Angola por Novo Redondo, e Benguela”. A 7.8.1832 anuncia, no Diário de Pernambuco (p. 1766) que se retirava para Portugal. Em 1833 é citado no registo de “Pessoas obrigadas á Fazenda Pública desta Província por finanças, que assignárão, e de que devem desobrigar-se no prazo de 15 dias”[4]. No começo de 1834, queixou-se em público de um Juiz que falou mal dele no jornal e que ele iria processar judicialmente[5]. Portanto, retirou-se temporariamente para Portugal e regressou rapidamente ao Recife.
António de Queirós Monteiro Regadas deve ter morrido antes de meados de 1840. A meio desse ano um seu filho, homónimo, reconhecia que foi induzido em erro ao acusar Manuel José Soares de Avelar de receber, indevidamente, parte de uma herança em Angola e ter “disposto de uma caza do fallecido meu Pai”[6]. Disse que o filho era homónimo do pai. Explico porquê. Um homónimo é citado num anúncio por causa de um escravo que lhe pertencera e responde afirmando que herdou o escravo de seus pais “por falecimento”. Sendo filho de António de Queirós, deu-lhe continuidade, nos negócios pernambucanos pelo menos. Foi sócio de Francisco António Ramos “numa loja de cera nas cinco Pontas”[7], numa zona de comércio intenso e não muito longe do grande Mercado de São José. 
O transcurso desta personagem demonstra-nos que a rede familiar e comercial que foi o berço social do poeta estava instalada no Recife desde vários anos antes do seu nascimento.

Francisco de Queirós Matoso da Câmara, filho de Eusébio de Queirós Coutinho da Silva, natural de “Loanda em Angola” (segundo ficou escrito nos registos de matrícula da Fac. de Direito), é figura da mesma teia familiar, que nos interessa mais ainda que António de Queirós Monteiro Regadas.
O seu pai, Euzebio de Queiroz Coutinho da Silva, pertencia a uma antiga família de Luanda por parte da mãe. Em parte, ele era homónimo do seu avô materno, Euzebio de Queiroz Coutinho, que fizera carreira militar em Angola (Museu de Angola, 1965), pois foi Soldado, Cabo da Esquadra, Alferes, Ajudante de Tenente (nomeado em 1754), podendo portanto ser nomeado Sargento-Mór a qualquer instante, de acordo com as Ordenações de 1643. Em 1738 comandara a “Tropa” que, “por ordem de J. Jaques de Magalhães”, foi “acudir as desordens de hum navio”. Chamava-se a mãe, de Eusébio de Queirós Coutinho e Silva, Helena de Queirós Coutinho, ganhando “e Silva” depois de casada.
O nosso juiz, Eusébio de Queirós Coutinho e Silva (e Silva segundo as fontes angolanas, o que faz sentido, como vemos) era filho do Dr. Domingos Plácido da Silva ("Dr." apesar de Elias Alexandre da Silva Correa dizer dele que não era "formado em alguma faculdade", mas sempre tivera licença para advogar) e de D.ª Helena Queiroz Coutinho e Silva. Nasceu desse conluio a 25.3.1781, em Luanda – onde seu pai foi nomeado Ouvidor, por portaria do Governador, em 1785 (Pereira & Rocha Barbalho da Cruz, 2014, p. 639). Matriculou-se na Universidade de Coimbra em 1797, em Leis, curso que veio a concluir em 1803, tendo sido premiado nos estudos. Regressado a Angola, foi nomeado Juiz de Fora de Benguela em 1805 e foi nessa cidade (onde mais tarde viveu Maia Ferreira) e no mesmo ano que se casou com Catarina Matoso de Queirós da Câmara (pertencente à mesma teia familiar luandense, como veremos abaixo; casaram a 16.11.1805). Do casamento vieram muitos filhos, entre os quais este meu xará. O progenitor foi nomeado Ouvidor da Comarca de Angola por decreto de 17.12.1808 e exerceu o cargo até 25.11.1815. Partiu depois para o Brasil (onde residia o Rei português) em 26.1.1816, atingindo o Rio de Janeiro em Março do mesmo ano. Aí foi nomeado Ouvidor da Comarca de Serro Frio (hoje cidade do Serro) em Minas Gerais, por decreto de 20.4.1818.
A parte melhor, para nós, vem a seguir, pois é nomeado (Anónimo, 2008)
Desembargador da Relação de Pernambuco recém-criada por alvará de 6 de fevereiro de 1821. Recebeu o aviso em 15 de junho de 1822 e passou a exercer o cargo de Segundo Agravista a partir de 13 de agosto de 1822 continuando até 1825. 
Em Pernambuco ainda foi Procurador da Coroa e Real Fazenda entre 1822 e 1825. No mesmo ano de 1822 se elegeu por Angola, a 14 de Janeiro, Deputado às Cortes Portuguesas. Aderiu, no entanto, à independência brasileira, sendo agraciado com o hábito da Ordem de Cristo por decreto de 24.6.1822 e com o foro de Fidalgo Cavaleiro da Casa Imperial em 17.12.1827 – o ano de nascimento de Maia Ferreira na capital angolana. Recebeu o título de Conselheiro por carta imperial de 13.11.1827 e prosseguiu uma carreira fulgurante, chegando a Ministro do recém-criado Supremo Tribunal de Justiça (hoje Supremo Tribunal Federal). Faleceu no dia 5.9.1842 (encontrando-se o poeta em Portugal) e foi sepultado nas catacumbas da Igreja de São Francisco de Paula, como o pai do poeta cerca de um ano mais tarde.
Eusébio de Queirós Coutinho, como era mais conhecido o então “juiz de fora de Benguela”, recebeu um empenhado elogio de Joaquim António de Carvalho e Menezes (que morava no Rio em 1830), assim ficando mais ainda ligado ao património cultural e identitário angolano, não somente ao seu património genético e apesar de se ter imbuído completamente na Corte imperial brasileira.
Da inclinação para o Direito, da boa posição que detinha a partir dessa profissão e dos cargos que desempenhou em Pernambuco deve ter vindo a ideia de para lá enviar os filhos para estudarem no curso jurídico local, tão logo ele se fundou.
Catarina Matoso de Andrade Câmara, a mãe do nosso estudante, era natural de Luanda e cunhada de Francisco Militão Matoso de Andrade, tio-avô materno do poeta, de quem falarei a seguir. O mais importante, porém, é que era parente, ela própria, do nosso poeta, nesse intenso rolo familiar.
Francisco de Queirós Coutinho Matoso da Câmara cursava o primeiro ano do Curso Jurídico de Olinda, no qual se matriculou em 1830. É de lembrar que o Curso fora criado por Lei de 11-8-1827, pouco antes de o seu pai se ter tornado Cavaleiro e Conselheiro da Casa Imperial. Esses títulos antecederam, por sua vez, a inauguração das aulas com o nome de “Curso de Ciências Jurídicas e Sociais”, a 15-5-1828, tendo sede em Olinda inicialmente. O nosso estudante chegou a ser Presidente da Província do Rio Grande do Norte (de 9 de janeiro a 19 de julho de 1844), embora não se tenha tornado tão famoso quanto Eusébio de Queiroz Mattoso e apesar de ter sido aí derrotado numa eleição, na qual apenas lhe deram metade dos votos obtidos pelo adversário. Integrou também a Assembleia Provincial do Rio de Janeiro, pelo menos a 13.3.1845 fazia parte dela – e, cerca de três meses depois, partia Maia Ferreira da capital carioca para Luanda.
Ainda um António Matoso de Andrade Câmara era procurado, no ano de 1840, por anúncio do Diário de Pernambuco, por alguém da rua do vigário que pretendia falar-lhe. O anúncio repete-se suas vezes, a última a 4.1.1840 (p. 4). Por ofício publicado no mesmo periódico (9.5.1846, p. 1) era então alferes do "1º batalhão de caçadores" e estivera, com o seu batalhão, na "cidade do Rio Grande do Sul" (cf. Diário de Pernambuco, 7.10.1847, p. 1), onde deixara consignações. Mantinha-se alferes-secretário (que era pelo menos desde 1847) a 22.6.1849 (p. 1). 

 

A comprovar o prestígio da carreira na família está o facto de, junto com Francisco de Queirós Matoso da Câmara, estudar no mesmo ano José Matoso de Andrade Câmara, filho do citado Francisco Militão Matoso de Andrade e avô, ou bisavô, do linguista brasileiro Joaquim Matoso Câmara Júnior. Este aluno era primo direito da mãe do poeta. Nasceu em Luanda, a 17.9.1811 e foi baptizado a 28 de Setembro. Como aluno deve ter mudado mais tarde para São Paulo (um percurso que seguiria Castro Alves), porque a sua ficha no Tribunal da Relação diz dele: “Advogado, formado pela Academia de Direito de São Paulo, na turma de 1834, colando grau a 30.10.1834.” Por isso procurei, também nessa Faculdade, sinais de José da Silva Maia Ferreira – mas sem sucesso, como já referi. Foi ainda, José Matoso de Andrade Câmara: Auditor da Marinha de Guerra, nomeado por decreto de 26.08.1836; Juiz de Direito da comarca de Cantagalo, província do Rio de Janeiro, nomeado por decreto de 29.03.1841; Juiz de Direito da comarca de Angra dos Reis, província do Rio de Janeiro, para onde foi removido por decreto de 13.11.1843; Juiz de Direito da comarca de Resende, província do Rio de Janeiro, para onde foi removido por decreto de 02.12.1845; Juiz de Direito da comarca de Niterói, província do Rio de Janeiro, para onde foi removido por decreto de 22.10.1852; Juiz de Direito da 2ª vara criminal no município da Corte, por decreto de 08.02.1854. Foi, ainda, Chefe de Polícia interino da Corte, por decreto de 04.03.1854, Desembargador da Relação do Maranhão, nomeado por decreto de 07.08.1856, Desembargador da Relação da Corte, para onde foi removido por decreto de 12.01.1857. Foi Presidente interino do Tribunal da Relação da Corte (Rio de Janeiro) em 1875. Tornou-se Ministro do Supremo Conselho Militar, nomeado por decreto de 28.08.1861 e foi depois Ministro do Supremo Tribunal de Justiça, nomeado por decreto de 05.07.1876. Foi aposentado por decreto de 20.11.1886. Era Oficial da Ordem da Rosa. Agraciado pelo Imperador D. Pedro II, com a Grã-Cruz da Ordem de Cristo, por decreto de 14.12.1886. Faleceu a 3.9.1888. Foi casado com Maria Paula Duque Estrada Furtado de Mendonça, descendente de povoadores do século XVI no Rio de Janeiro. Teve 13 filhos…

Matriculado no terceiro ano do mesmo Curso, em 1830, encontrava-se ainda um irmão, mais velho, de Francisco de Queirós Matoso da Câmara. É personagem fundamental e chama-se Eusébio de Queirós Coutinho Matoso da Câmara.
Numa de suas cartas a Miranda Falcão, remetida de Nova Iorque para o Rio de Janeiro, José da Silva Maia Ferreira se lhe refere como “primo” num tom algo desalentado: “Qdo V. S.ª tornar a encontrar-se com o meu primo Eusebio, queira apresentar-lhe os meus cumprimentos, e à sua Senhora; e dizer-lhe que eu muito folgaria saber se ainda posso inspirar-lhe algum interesse…”  Em outra, posterior (9.4.1855), por intermédio do ilustre familiar envia dinheiro à mãe e pergunta por ela, visto que há muito não recebia notícias. Aí se lhe dirige como “Primo e Exmº Sor”. Eusébio de Queirós Matoso descendia também do tetravô português da mãe do poeta, Inácio Matoso de Andrade, que se casou com Luísa de [Mendonça?] Betencourt no século XVII, tendo os seus dois filhos nascido em Luanda. Um dos filhos era Francisco Matoso de Andrade e veio a gerar o ramo no qual despontou D.ª Ângela, mãe de Maia Ferreira. Mas também gerou D.ª Catarina Rodrigues Matoso de Andrade, que se casou com o Capitão Eusébio de Queirós Coutinho e era irmã do trisavô de D.ª Ângela de Medeiros Matoso, mãe do poeta (n. Luanda, 30.9.1806). Catarina Rodrigues Matoso de Andrade foi tia paterna de Francisco Matoso de Andrade (n. Luanda, bap. 3.5.1746), que gerou Catarina Matoso de Andrade Câmara, a mãe de Eusébio de Queirós Coutinho Matoso da Câmara, casada com o Dr. Eusébio de Queirós Coutinho e Silva em Luanda. Uma irmã da mãe do político e jurista (a mais velha, Maria Matoso da Câmara) casou com um irmão do pai de D.ª Ângela, sendo por isso tia dela (por casamento, afinidade) e de Eusébio de Queiroz Matoso (por consanguinidade). Mas esse marido (Francisco Militão Matoso de Andrade e Meneses, igualmente natural de Luanda, como os nomes que tenho citado) ascendia aos mesmos antepassados. Note-se que o próprio pai do político e jurista Eusébio de Queiroz casara com sua prima, Catarina Matoso. Estes cruzamentos eram, como na nobreza europeia, muitas vezes feitos dentro de uma rede familiar extensa, mas toda ligada, para que o poder e as posses continuassem a circular pelo mesmo sangue... A verdade é que os dois ramos da família materna do poeta vêm a descender, não só do mesmo antepassado, mas dos seus dois únicos filhos e de um deles (o filho homem) por duas vias colaterais! Então, não eram propriamente primos, só num sentido lato (‘primos afastados’), mas estavam tão ligados (até por proximidade nas idades, sendo Eusébio Matoso 15 anos mais velho que o poeta e 5 anos mais velho que a sua irmã primogénita) que se sentiriam próximos várias vezes.
Alguns pontos da biografia de Eusébio de Queiroz (filho), por nós conhecidos, precisam de ser confrontados com as fontes brasileiras e, sobretudo, as da época, escritas de preferência por pessoas que o conheceram e dele dão retrato personalizado. Li em várias fontes que Eusébio de Queiroz nasceu em Luanda a 27.12.1812. Porém, não sei se por gralha, numa biografia do século XIX aparece 12.12.1812 (Vasconcellos, 1870); julgo ser gralha porque o mesmo autor, mais à frente, refere que ele ia fazer anos a 27 de Dezembro e porque o historiador Carlos Pacheco viu o registo de baptismo em Luanda e aponta 26.12.1812 (Pacheco, 1990 p. 78) – ou seja: apenas um dia de diferença. A julgar pela biografia de 1870, 
seu pai o conselheiro Eusebio de Queiroz Coutinho da Silva era casado com sua prima D. Catharina M. de Queiroz Câmara. Houveram cinco filhos deste consórcio, mas Eusebio foi o primogênito dos dous únicos, que escaparam ao clima deletério da África Portugueza.
Ele embarcou para o Brasil com três anos e um mês (a 26.1.1816), acompanhando a família. Acedeu às primeiras letras em Serro Frio, onde o pai servia como Ouvidor (v. atrás). Em 1822 terá aprendido latim “em Pernambuco com o padre Francisco do Rego Barros” (homónimo e parente do Conde da Boavista, que foi um dos marcantes Governadores de Pernambuco e muito incentivou e desenvolveu ali as artes e a cultura, bem como a higiene ambiental, a par das máfias habituais ao tempo, incluindo as de negociantes de escravos). Eusébio de Queirós seria aprovado nos exames de Latim e de Retórica a 25.4.1828 e em Geometria a 30.5.1828. Em “1826 e 1827 frequentou o seminário de S. José, estudando philosophia com o padre-mestre Fr. Peres, e retórica e grego com o padre-mestre Fr. Custodio de Faria.” (Vasconcellos, 1870). Desde então é sempre referido como aluno brilhante, com uma extraordinária inteligência e disciplina.
Estudou com notoriedade invulgar no Curso Jurídico de Olinda. Penso que seja este o mesmo “Eusebio Matozo Coutinho” que aparece na lista de doadores de livros para a Biblioteca Pública de Olinda, publicada pelo Diário de Pernambuco, n.º 234, em 3 de novembro de 1831. Em 23 de Janeiro de 1832, quando saiu no mesmo jornal a indicação de que tinha uma carta “segura” do Rio de Janeiro (onde chegaria dois anos mais tarde José da Silva Maia Ferreira), concluiu os estudos, tomando “o grau de bacharel em setembro”, segundo Pereira de Vasconcellos – o primeiro bacharel em Direito por Olinda-Recife. Em Outubro terá seguido para o Rio, onde o seu pai “servia no Supremo Tribunal de Justiça” (Vasconcellos, 1870) e servia já como Juiz de Fora em 1832. Na Corte foi Chefe da Polícia desde 1833 até 1844. Este cargo era de menor importância, justamente até Eusébio de Queirós o exercer (Almeida, 2017). Durante o longo mandato, ele conseguiu acabar com a principal rede de fabrico de moeda falsa do Rio de Janeiro – rede com ramificações internacionais – reduzir drasticamente o crime, praticou uma política de integração de potenciais criminosos nas próprias forças policiais, pessoas pobres, desempregadas, carentes e tantas outras pequenas façanhas (pequenas, mas de consequências grandes) que o seu papel foi reconhecido e elogiado por todos (opositores, governantes), elevando-o a Ministro da Justiça. Em 1844 registou-se, segundo o Diário de Pernambuco, o exercício “interino” do cargo (Chefe de Polícia) por um primo, em segundo grau, de Maia Ferreira – José Matoso de Andrade Câmara, acima referido. Isso deve-se, provavelmente, às muitas ocupações que Eusébio de Queirós entretanto assumia. Ainda seguindo a mesma fonte, em 1840 foi demitido do “emprego de chefe de polícia”[8]. Provavelmente tratava-se de uma demissão injusta, ou por ele mesmo pedida (Vasconcellos, 1870), porque foi mais tarde reintegrado no posto.
Fez uma carreira política cheia de sucessos: moço-fidalgo no Rio de Janeiro, membro do conselho do Montepio geral, foi um dos “definidores” da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro; foi Juiz de Crime e Juiz de Fora no bairro do Sacramento e ainda juiz de Direito; foi Deputado provincial (do Rio de Janeiro, 1838-1841); Deputado geral (eleito a primeira vez em 1842[9], re-eleito para mais quatro legislaturas; em 1842 integrou como Deputado uma Comissão para comunicar ao Imperador o desagrado causado pela intenção da Inglaterra de fiscalizar o negócio de escravos no Brasil); Senador – de 1854 a 1868, pelo Rio de Janeiro; Desembargador, Desembargador da Relação, Desembargador geral da educação primária e secundária da Corte; Ministro da Justiça (1848-1852); membro do Conselho de Estado (1855); Cavaleiro e Comendador das Ordens de Cristo, da Rosa e de Medsidie – esta na Turquia). Em carta a Gonçalves Dias, de “Paris 18 de junho de 1864”, um seu amigo trata o grande político por uma alcunha, um nominho que devia ser popular na época: o “Papa Eusébio” (Biblioteca Nacional, 1972 p. 325).
O momento sublime da sua carreira terá, porém, ocorrido com a publicação da chamada ‘Lei de Eusébio de Queirós’, que proibiu o tráfico negreiro para o Brasil (Lei n.º 581 – de 4 de Setembro de 1850).
Morreu a 7.5.1868 (Senado Federal, sd), depois de uma viagem por vários países europeus a tentar inutilmente curar-se de um “amolecimento de cérebro” (Vasconcellos, 1870). Morava então na rua de Santa Teresa, nº 9, no Rio de Janeiro. Segundo transcrição do artigo sobre ele na Wikipédia, “Machado de Assis, em O Velho Senado, o descreveu da seguinte maneira:
Uma só vez ouvi falar a Eusébio de Queirós, e a impressão que me deixou foi viva; era fluente, abundante, claro, sem prejuízo do vigor e da energia. Não foi discurso de ataque, mas de defesa, falou na qualidade de chefe do Partido Conservador, ou papa; Itaboraí, Uruguai, Saião Lobato e outros eram cardeais, e todos formavam o consistório, segundo a célebre definição de Otaviano no Correio Mercantil. 
Eusébio de Queirós era justamente respeitado dos seus e dos contrários. Não tinha a figura esbelta de um Paranhos, mas ligava-se-lhe uma história particular e célebre, dessas que a crônica social e política de outros países escolhe e examina, mas que os nossos costumes, — aliás demasiado soltos na palestra, — não consentem inserir no escrito. De resto, pouco valeria repetir agora o que se divulgava então, não podendo pôr aqui a própria e extremada beleza da pessoa que as ruas e salas desta cidade viram tantas vezes. Era alta e robusta; não me ficaram outros pormenores. Deu nome ao Município de Eusébio no Ceará. 

Li na íntegra, nos anais da Câmara dos Deputados[10], um dos seus mais aclamados discursos, em defesa da atuação de todo o Ministério justamente a propósito da Lei que levou o seu nome, bem como excertos de outras intervenções aí também transcritas. O seu discurso na sessão de 16.7.1852 deixou-me deslumbrado, tanto quanto à maioria dos seus colegas – e compreendo que tenham feito absoluto silêncio quando ele subiu à tribuna para se defender. Machado de Assis caracterizou bem o seu estilo, devendo sublinhar-se ainda a capacidade de previsão do raciocínio dos outros, um dos sustentáculos da estruturação dos argumentos e de todo o discurso. Ela era de tal maneira apurada e o desmontar desses argumentos a tal ponto certeiro que as conclusões se impunham com total evidência, pelo que os opositores ficavam, literalmente, sem argumentos. 

Voltando ao nosso obscuro poeta e à perseguição das possíveis rotas do comércio do livro literário que no século XIX chegava a Angola, o Curso Jurídico de Olinda recolhia alunos de todo o Brasil, mesmo do Rio Grande do Sul, o que atesta a sua importância e confirma a boa colocação da família no período imediatamente anterior à chegada do nosso poeta. É provável que uma parte da bibliografia conhecida e comprada pelos primos da mãe chegasse à mão de Maia Ferreira ao longo do seu período de formação. Dado o intenso comércio entre Recife-Olinda e Angola é de supor que também por outras pessoas iam chegando livros a Luanda e Benguela comprados aí. O leitor há de questionar-se sobre isso, pensando que as rotas da escravidão não comportavam carga bibliográfica. Porém, comportavam, sim. Até, muitas vezes, as caixas de livros, segundo alguns dos justiceiros do combate ao tráfico transatlântico, serviam na verdade para, no regresso, uma vez vazias, fornecerem tábuas para alteração dos navios de maneira a comportarem o transporte de escravos. Curiosamente, numa chegada da barca Bela Ângela ao Rio de Janeiro[11], propriedade do pai do nosso poeta e a ele consignada, incluíam-se “6 bahús” de livros a um comerciante de nome “Regadas”, sem mais qualquer pormenor. Portanto, suponho que por essa estranha ironia também, algumas caixas de livros desembarcavam em Luanda. Provavelmente os mais baratos, ou também livro de escritura comercial, mais as novelas vulgares e de edições populares. Talvez. Mas era mesmo para leitoras de novelas que se escreviam muitos poemas nesse tempo, entre os quais os de Maia Ferreira. 

Por tudo isto e mais alguma coisa que me escape se torna importante registar, não somente os livros que estes alunos liam, mas também os que eram vendidos no meio em que estudavam.


Disse que não só por via familiar esses livros atingiram o nosso mercado literário. Confirmando o sustento económico de uma variada rede de leituras e tráfego, há muitas referências a comprovar o comércio com Angola no Diário de Pernambuco, sobretudo girando em torno da importação de escravos, mas também da exportação de produtos, entre os quais “fazendas proprias para Angola”, que Manuel António Pereira vendia enquanto comprava “ladinos”. Às vezes, alguns especuladores, intermediários e talvez fazendeiros pagavam parte da sua compra com géneros. Esses géneros, em Luanda, asseguravam créditos que, havendo oportunidade, eram empregues na compra de novos “volumes”, ou seja, novos escravos. Isso mesmo fez Maia Ferreira, a partir de Nova Iorque, escrevendo ao seu amigo e negreiro Garrido e explicando-lhe que a venda de uma parte das mercadorias que enviava podia servir para tal efeito. 

Uma passagem caraterística, para mim significativa, no roteiro comercial que ligava o Recife e Olinda às rotas atlânticas da época, foi a de outro poeta do tempo, Arsénio Pompílio Pompeu de Carpo, autor da segunda obra lírica da literatura angolana, Dedo de pygmeu, e brevemente referido atrás. Na verdade, não teria muito de poeta, basta lermos o seu livro para descobrirmos isso (li, de resto, manuscrito na secção de reservados da Biblioteca Nacional em Lisboa). O ‘achado’ metafórico do título foi, praticamente, o único seu contributo (não aproveitado) para uma poesia local. Mas recorreu à poesia lírica para fazer uma autobiografia justificativa de alguns atos polémicos e, sobretudo, por causa do seu envolvimento no tráfico negreiro. Tinha, portanto, uma visão utilitária e testemunhal da poesia que, se veio a tornar-se uma característica recorrente no meio de nós, demonstrou desde logo o fraco alcance estético da opção.

Arsénio de Carpo era madeirense de nascimento, mas a sua biografia (e descendência) ligou-o incontornavelmente a Angola. Segundo os estudos de Pacheco e Marques, foi viver para o Recife, presume-se que “desde os finais da década de vinte” (Pacheco, 1992-1994 pp. 61-62), ou “no final da década de 1820”, o que é o mesmo (Marques, 2001 p. 614). Antes de ir para lá já teria negócios com Pernambuco, nomeadamente através do comerciante e negreiro Ângelo Francisco Carneiro (ou Francisco Ângelo Carneiro), que se veio a tornar Visconde de Loures no Brasil (Marques, 2001 p. 615) e foi sócio, também, do pai de José da Silva Maia Ferreira, mantendo igualmente negócios com António e Luís de Queirós Monteiro Regadas (tidos por angolanos no Brasil). Ângelo Francisco Carneiro foi dado como capitão e co-proprietário de navio negreiro em 18.6.1818, de outro em 1822. Este negreiro teve uma longa vida comercial, sendo proprietário de mais navios negreiros ainda em 1841, continuando a negociar em escravos ao tempo de Pedro Alexandrino da Cunha (Menezes, 1848 p. 61) – sempre, como os outros aqui citados, através de embarcações que partiam de Luanda e de Benguela. Entre as suas relações comerciais em Angola se destacava também, para além dos Regadas, D.ª Ana Joaquina dos Santos. Um José Francisco Carneiro, que não sei se seria seu familiar, era também dono de navios negreiros e fazia negócio de escravos entre Luanda e Pernambuco no fim dos anos 1810 e princípio dos anos 1820 (v., por ex., aqui). Podemos, portanto, no que diz respeito ao século romântico, recuar a intensidade do comércio entre os dois portos até ao seu começo, de resto na sequência do que vinha acontecendo já nos dois séculos anteriores.

Não se sabe exatamente quando, mas aponta-se os “idos de 1831-1832” para a chegada de Arsénio de Carpo aos Estados Unidos (onde iria parar Maia Ferreira, cerca de vinte anos mais tarde). Arsénio de Carpo seguia, também ele, as rotas do comércio infame e os EUA sempre foram um bom mercado para tal comércio, mais ainda após a proibição do tráfico. Carlos Pacheco transmite-nos estes dados a partir de uma Biografia da vida publica de Arcenio Pompilio Pompeu de Carpo, cuja parcialidade na leitura dos factos é desmontada pelo historiador angolano (Castro[?], 1846). No entanto, João Pedro Marques, baseado na mesma biografia, defende que Arsénio de Carpo foi, do Rio de Janeiro, para os EUA (Nova Iorque) em 1831 (Marques, 2001 pp. 615-616).

Tornou-se então necessário consultar os arquivos disponíveis no Recife, nomeadamente no Arquivo Público e no setor de microfilmagem da Fundação Joaquim Nabuco, para procurar referências a Arsénio de Carpo e esclarecer a sua atividade naquele tempo e naquela praça. Durante o período que vai de 1825 a Fevereiro de 1832 não vi no Diário de Pernambuco nenhuma referência direta ao poeta-comerciante. Li, sim, na p. 524 do n.º 126, de 15 de Junho de 1831, a notícia da saída, a 13 de Junho, para o Rio Grande do Sul, de “D. Domingas Rosa de Vasconcelos mulher de Arcenio Pompeo Pompilio del Carpo”, com duas criadas. O facto reforça a intuição de Carlos Pacheco de que Arsénio de Carpo teria partido na sequência dos saques aos portugueses e do êxodo que levou grande número deles a abandonar Pernambuco “entre os meses de Abril e Maio de 1831”. E parece confirmar a data de partida apontada por João Pedro Marques. Sendo, no entanto, que apenas há notícia da partida da mulher, em Junho e para o Rio Grande do Sul, não para ir ter com o marido a Santos e daí rumarem aos EUA.

Se a referência não resolve esta parcela da itinerância de Arsénio Pompílio Pompeu de Carpo, constitui, porém, mais um sinal de que as rotas comerciais e literárias de vários segmentos da burguesia angolana da época passavam por Olinda e Recife, para além de por outros portos importantes da costa brasileira, incluindo o de Rio Grande, hoje desconhecido para nós. O leque de leituras a que o poeta pôde aceder no Rio de Janeiro, a partir de livros dos seus familiares, completava-se, portanto, com as que ele próprio e outros podiam adquirir em Luanda, a pessoas vindas do Recife e também dadas às letras, como Arsénio de Carpo, que de resto glosou Maia Ferreira. E o leque de leituras dos angolanos residentes aumentava também com a circulação de mais famílias para além da de Maia Ferreira, como é o caso de Pompeu de Carpo, ou da famosa D.ª Ana Joaquina dos Santos que, “natural da cidade de Angola” mas “hoje residente no Rio de Janeiro”, tornava público no Recife que passava a chamar-se D.ª Ana Joaquina dos Santos Silva[12]. O anúncio foi publicado no Diário de Pernambuco porque ela também tinha casa lá e comércio, negócios.


Retornando à pista Maia Ferreira, António Félix dos Santos, que terá comprado o “Bridge Protetor” a António de Queiroz Monteiro Regadas na década de 1830, foi nome ligado ainda por outras notícias à mesma rede familiar e comercial. Passo a mencioná-las. 
Luís de Queiroz Monteiro Regadas é representado pelo seu procurador, António Félix dos Santos, no n.º 237, de 30-10-1840 (p. 3) do Diário de Pernambuco. Foi dado como capitão de navio negreiro (também o pai do poeta foi dado como mestre de uma sumaca em 1833) e vendeu ao futuro sogro (se é que falamos sempre do mesmo Luís, o sogro veio a ser o pai do poeta) a sumaca Pensamento Feliz em 21-5-1833. Luís de Queiroz entrou pelo menos uma vez no Recife, vindo do Rio de Janeiro, a 8-4-1840, segundo uma das poucas menções a passageiros que se leram nesse ano no Diário de Pernambuco[13]. Vinha acompanhado por um escravo. Era “maçom, membro efetivo e dirigente do Grande Colégio dos Ritos (parte integrante do Grande Oriente do Brasil).” Portanto, não foi só no Sul dos EUA que maçons e negreiros confluíram na mesma pessoa. A nomeação de Monteiro Regadas para este Colégio ocorreu a 5 de agosto de 1842 (dois anos e quatro meses depois de ter estado no Recife) “como membro efetivo do Grau 33” (Pacheco, 1996 p. 47)Era casado com D.ª Ana Maria da Silva Maia, que depois adotou o nome de Regadas. Ora, D.ª Ana Maria da Silva Maia era a única filha do primeiro casamento do pai de Maia Ferreira, portanto sua meia-irmã, nascida em Luanda a 3-5-1819, ou seja, oito anos antes do poeta. Este facto vem reforçar em muito a possibilidade de Maia Ferreira aceder à bibliografia que circulava por Recife–Olinda nesse tempo, se é que não chegou a estar na zona. Além disso, Luís de Queirós antecipou César Figanière cruzando-se na vida de Maia Ferreira[14] como, simultaneamente, maçom e negociante de escravos (Luís de Queirós antes da proibição do tráfico; Figanière parece que nunca o fez assumidamente, mas como financiador de expedições para tráfico ilícito). Há notícia de falecimento de um Luís de Queirós Monteiro Regadas, a 28.12.1844, no Rio de Janeiro, freguesia do Sacramento (morte por “tumor aneurismado”). Penso tratar-se da mesma pessoa, pois Carlos Pacheco diz que esta meia-irmã do poeta vivia com o marido no Rio de Janeiro (Pacheco, 1990 p. 43). Tinha na altura 45 anos e foi dado como português. 
Ainda com o mesmo apelido encontrei referências, relativas a Pernambuco e Luanda, a um João Francisco Regadas, proprietário do Brigue Leão em 1835 e 1838. Há um homónimo na árvore genealógica de Maia Ferreira, meio-irmão da sua avó paterna, que terá nascido pelo princípio do século XIX (Pacheco, 1990 pp. 160-161). Um Francisco José da Silva Regadas, por sua vez, era despachado do Rio de Janeiro para Angola, por Pernambuco, a 10.2.1844, segundo o Jornal do Comércio. Para este nome não vi nenhuma correspondência na árvore genealógica do nosso poeta. 
Por sua vez o procurador no Recife, António Félix dos Santos, viveu vários anos por lá e estava ligado a negócios com Angola. A 8 de Outubro de 1839 parecia razoavelmente engajado na sociedade recifense. No «Relatório e Conta da Adm. dos Est. de Caridade”, menciona-se que lhe foram pagos, então, 7$280 pelos 44 vidros que “mandou botar na casa dos expostos”. A 14 e 17 de março de 1840 foi anunciado que recebia um navio de Lisboa (p. 4). Também foi o testamenteiro de Joaquim da Silva Regadas, outro negociante e negreiro ligado à rede familiar e comercial dos Maia Ferreira[15], a cujo pai vendeu, em Luanda ainda (Pacheco, 1992 p. 40), duas embarcações pertencentes a dois sócios de Pernambuco, isto antes de 1835.
Carlos Pacheco diz que o falecido (Joaquim da Silva Regadas) era “aparentado com o bisavô paterno de José da Silva Maia Ferreira, Manuel Francisco Regadas”. Noutro passo diz Carlos Pacheco ter sido Joaquim da Silva Regadas sobrinho do famoso militar e comerciante (Manuel Francisco Regadas), justamente o que herdou em Luanda, do avô do poeta, a maior parte da sua riqueza, tornando-se “um dos mais sólidos e acreditados negociantes da praça de Luanda” (Pacheco, 2000 p. 37; Pacheco, 1990 p. 221). Era natural do Porto, embarcou para Luanda (chamado pelo tio) em 1802 e retirou-se para Pernambuco em 1830. Quando José da Silva Maia Ferreira tinha três anos, Joaquim da Silva Regadas, o pai do poeta e mais três sócios tentaram fundar a Companhia de Agricultura e Indústria do Reino de Angola, sob a proteção do governador-geral, miguelista, Barão de Santa Comba Dão. Carlos Pacheco, em cuja obra pude recolher estas informações, garante que se tratava de um verdadeiro monopólio de criação local (o primeiro a esse título). 
O empresário era “consignatário” do “Brigue Português 27 Julho” em 1837[16]., que no começo de Junho desse ano partira para a ilha de São Miguel, Açores. A 3.1.1837 recebera carga de “vários géneros” do Maranhão [17]. A 20.3.1839 recebia de Luanda um navio com escravos (277) de sua propriedade (“Tindal (a) Quindal”) e a 6.11.1839 mais 264 em outro navio também de sua propriedade. Joaquim da Silva Regadas, na residência pernambucana (prolongada até à morte), teve um litígio em justiça com outro comerciante, Gabriel António, segundo se percebe no Diário de Pernambuco n.º 241, de 4-11-1840, p. 1. Gabriel António, além de comerciante negreiro também, foi sócio do pai do poeta, sendo que este (o pai do poeta) liquidou a sociedade (que integrava Ângelo Francisco Carneiro) pouco depois de chegar ao Rio de Janeiro. No entanto, no n.º 11, de 15-1-1840 (p. 3), o seu testamenteiro pedia a credores e devedores que se apresentassem para conferir o inventário que ainda se estava a fazer. Deve ter morrido, portanto, perto dessa altura e possivelmente rico. No Boletim Oficial do governo-geral de Angola, de 14 de Janeiro de 1865, menciona-se o palhabote Maria Amélia (de 14,5 toneladas), que era propriedade de D.ª Amélia da Silva Regadas Childerico – nome que provavelmente refere uma familiar próxima de Joaquim da Silva.
Com o tempo, a rede familiar e comercial foi-se dispersando, esbatendo, perdendo significado local. No ano de 1840 há notícia da existência de um Manuel de Queiroz Monteiro Regadas, que se encontrava na “Paraíba do Norte”, embora o seu endereço fosse procurado no Recife[18]. Seria certamente familiar de um homónimo que se casou, a 12-9-1802, com Maria Francisca Regadas, tia-avó paterna de José da Silva Maia Ferreira (Pacheco, 1990 p. 208).

Também de Inocêncio Matozo de Andrade se desconhece em dado momento a localização, a quem se pede que a anuncie[19]. Será certamente familiar de Inocêncio Matoso de Andrade Câmara, que assina, com outros, a exoneração do pai do poeta do cargo de “revisor das remessas de escravos que do sertão vêm a esta cidade”. Por oposição ao ‘miguelismo’ de José da Silva Maia Ferreira (pai), pertencia Inocêncio Matoso de Andrade Câmara ao ramo liberal da família e era primo, em quarto grau, do poeta. Não terá sido a única vez que os dois ramos políticos desta extensa rede se defrontaram, pois Eusébio de Queirós veio a abolir o tráfico transatlântico. Mas não creio que chegasse a existir confronto, pois continuaram todos de boas relações e ainda o pai do poeta comprava bilhetes de loteria para Inocêncio Matoso no Rio de Janeiro na década de 1830. 

Inocêncio Matoso de Andrade Câmara talvez seja o mesmo que lançou anúncio na Gazeta de Pernambuco reclamando a propriedade do bergantim São Marcos (Câmara, 1822 p. 5). Talvez, ainda, seja ascendente de Antonio Matozo de Andrade Câmara, por cujo endereço também se pergunta e que “foi ponto de theatro” no Recife[20]. Curiosamente, há menção a um homónimo (António Matozo de Andrade) e a um Pedro Matozo de Andrade, ambos negociantes no concelho da Barra do Dande, em Angola, que assinam um louvor ao chefe local em 24-05-1865[21]. Mas deve ser apenas coincidência…

Joaquim de Queiroz Monteiro terá sido ainda um negociante pertencente às mesmas famílias. Encontrava-se instalado no Recife, onde publicou um anúncio que permite pensar que tinha uma loja de penhores[22].

José António da Silva Maia e José Joaquim da Silva Maia pensei que fossem membros importantes da rede. Porém, não por via de Angola. Vieram diretamente de Portugal e, tanto quanto sei, nunca se deslocaram a Angola. O primeiro ocupou o cargo de Procurador da Corôa e foi Senador. Assumiu ainda a responsabilidade de Conselheiro de Estado. Mas da ligação à família Maia Ferreira não fiquei seguro, visto haver no Recife, desde esse tempo, uma família Silva Maia que era de origem direta portuguesa, creio que descendente de Joaquim José da Silva Maia. Silva Maia foi para o Rio de Janeiro em 1830, por motivos políticos e aí o filho publicou-lhe as Memórias em 1841 (que não li até hoje). Sendo da família de Maia Ferreira, seria por ligações mais recuadas e por um ramo estritamente português, reinol.

“Joze Joaquim da Silva Maia, com loja de fasendas na rua do Crespo” (n.º 233, 24-10-1840, p. 3) é uma figura quase homónima do comércio recifense da época. Há mais referências a este negociante nos anos de 1840 e 1845. Por um anúncio do n.º 103 percebe-se que negociava também comida. Não pude, no entanto, confirmar até agora a filiação dele. Apenas encontrei, no Boletim Oficial de Angola de 1874, o mesmo nome numa lista de “emolumentos” pagos por comerciantes de Luanda e não sei se ainda seria a mesma pessoa (parece-me difícil), ou filho.

No mesmo Boletim Oficial, mas cerca de um mês antes, na mesma lista o comerciante Manuel de Queiroz Coutinho pagava de emolumentos $369. Pelo nome deve ser descendente de algum parente dos Queiroz Coutinho que ficaram no Brasil. Em 1865 tinha ficado encarregue da “escrituração e arrumação” da “casa” do negociante Francisco Pedro Baeta no Golungo Alto. A sua posição em Angola não era má e tinha estudos. Foi, por exemplo, o escrivão nomeado para redigir e fazer assinar o “termo de juramento de fidelidade” de “Dom Bartholomeu Ignacio, soba Muene Guimba do Humba”, tarefa que desempenhou em Abril de 1874. A sua presença mostra-nos que a família extensa de Maia Ferreira continuou a propagar-se dos dois lados do Atlântico tropical.


O quadro até agora traçado confirma largamente a ideia das intensas relações que havia entre Recife–Olinda e Luanda–Benguela, na infância e juventude de José da Silva Maia Ferreira e durante, pelo menos, a primeira metade do século XIX. Tratava-se de relações comerciais, mas também culturais, sendo que lá se formaram parentes do poeta, lá conviveram nos meios teatrais, comerciaram, compraram e doaram livros. Por consequência, os dados bibliográficos que pudesse encontrar no Diário de Pernambuco tornavam-se muito pertinentes.

Esses dados complementaram-se com os que investiguei em Angola entre 2002 e 2016. O confronto das fontes pernambucanas com as angolanas confirma também que o intercâmbio nas duas regiões se manteve mesmo quando, por causa da política internacional, se afastaram mais os respetivos países (Angola era ainda uma colónia, um projeto de país talvez – uso aqui o termo país por comodidade de linguagem, não por anacronismo).

Muitos dos navios cujo trânsito era registado nos portos angolanos tinham como origem, destino, ou escala, portos brasileiros ao longo de todo o século XIX. Posso dar alguns exemplos e começo pelo que me parece mais importante em termos quantitativos e, também, qualitativos, dados alguns dos nomes envolvidos.

De quando em quando havia forte instabilidade na zona de Recife-Olinda e partiam para Angola grupos numerosos de portugueses, brasileiros, ou mesmo negociantes de outras nacionalidades. Carlos Pacheco, nos seus estudos sobre Maia Ferreira e Arsénio de Carpo, fala de alguns desses momentos. Assim aconteceu também no ano de 1842. Juntei os nomes das pessoas que partiram nesse ano para Angola com uma diferença de muito pouco tempo umas das outras, ou nos mesmos dias e navios. É a seguinte a lista de pessoas que partiram do Recife para Angola em 1842:
  1. António Fernandes, português (Diário de Pernambuco, 9-5 e 7-5), partiu no dia 6, no patacho brasileiro Francelina (nesse ano – ignoro se nessa viagem – o Francelina foi também ao Sudeste do Brasil – não sei se a Rio Grande; o seu proprietário, em 1849, era Joaquim Pinto Nunes).
  2. António Ferreira dos Santos (id.), para tratar de “negócios”.
  3. António José da Silva Lima, português (Diário de Pernambuco, 13-5 e 4-6), partiu a 29-6 no brigue brasileiro «Pernambucano» (Diário de Pernambuco, 1-7).
  4. António Meira, espanhol (Diário de Pernambuco, 4-5), partiu no dia 6, no patacho brasileiro Francelina.
  5. António Moreira Pinto Barbosa (Diário de Pernambuco, 4-5).
  6. Domingos da Silva Patrício (Diário de Pernambuco, 24-6).
  7. Félix de Cantalício (Diário de Pernambuco, 31-5) – terá partido a 17-6 (v. Diário de Pernambuco desse dia), mas em outro número se diz que partiu a 29-6 no brigue brasileiro «Pernambucano» (Diário de Pernambuco, 1-7) e que era brasileiro.
  8. Jacinto Augusto de Miranda, português (Diário de Pernambuco, 14-6).
  9. Jacinto Augusto de Miranda, português (Diário de Pernambuco, 28-4). Provavelmente a mesma pessoa, mas não indicado como tal.
  10. João Pereira de Carvalho e Cunha (Diário de Pernambuco, 30-5).
  11. João Pereira de Carvalho Júnior (Diário de Pernambuco, 16-6).
  12. Joaquim da Silva Mourão, português (Diário de Pernambuco, 27-5).
  13. Joaquim da Silva, português, partiu a 29-6 no brigue brasileiro «Pernambucano» (Diário de Pernambuco, 1-7).
  14. Joaquim Duarte (Diário de Pernambuco, 7-5), partiu no dia 6, no patacho brasileiro «Francelina».
  15. Joaquim Frederico (ou Childerico) de Carvalho (Diário de Pernambuco, 12, 13 e 16-4).
  16. Joaquim José da Silveira, brasileiro (Diário de Pernambuco, 25-4), para “tratar de seus negócios”, partiu no dia 6, no patacho brasileiro «Francelina».
  17. Joaquim Pereira Carneiro e Cunha, português, partiu a 29-6 no brigue brasileiro «Pernambucano» (Diário de Pernambuco, 1-7).
  18. Joaquim Policarpo da Silva, brasileiro (Diário de Pernambuco, 2-5).
  19. Joaquim Raimundo Lapuberg (Diário de Pernambuco, 11-5), partiu a 29-6 no brigue brasileiro «Pernambucano» (Diário de Pernambuco, 1-7) e era brasileiro. Tinha interesses comerciais em Benguela.
  20. José António Antunes, português (Diário de Pernambuco, 26-4), partiu no dia 6, no patacho brasileiro «Francelina».
  21. José Vicente, brasileiro (Diário de Pernambuco, 17-6; 30-6), partiu a 29-6 no brigue brasileiro «Pernambucano» (Diário de Pernambuco, 1-7).
  22. N. Gabriel Bez, francês, partiu a 29-6 no brigue brasileiro «Pernambucano» (Diário de Pernambuco, 1-7). Negociante, creio que vendeu também no Recife (pelo menos havia lá uma “loja do sr. Bez” que também vendia livros). Isso torna a sua partida para Angola muito significativa.
  23. Rodrigo da Costa Carvalho, português (Diário de Pernambuco, 7-7).
  24. José Mendes de Freitas, português (Diário de Pernambuco, 7-7).
  25. Tomás Souto Caldas, português, partiu a 29-6 no brigue brasileiro «Pernambucano» (Diário de Pernambuco, 1-7).
  26. Vicente Eloy da Fonseca Silva (Diário de Pernambuco, 30-6).
Vários outros portugueses, um espanhol e vários outros brasileiros também se retiravam, segundo informação desse mesmo dia (incluem-se comerciantes e mulheres), por motivos de “moléstia”, ou por “negócios”. Convenhamos que, retirarem-se para Angola por motivos de “moléstia” não convence ninguém, sendo o clima de Luanda e Benguela mais mortífero que o de Recife-Olinda...

Outras partidas e outros dados, registadas ao acaso ainda nesses anos:
  • A 12 de Setembro menciona-se a retirada, para Luanda, do cidadão brasileiro Francisco de Sá Peixoto. 
  • A 12 de Agosto de 1840 há referência, no Diário de Pernambuco, à notícia de que rumaram portugueses e brasileiros para Benguela, no “Brigue Português Experiência” (n.º 174, p. 4). Entre os portugueses figurava António Félix Machado, sem menção a mulher ou filhos. Segundo Nelson Pestana, António Félix Machado era o pai do escritor Pedro Félix Machado, o nosso único poeta parnasiano, irmão do famoso ilustrador Julião Machado, discípulo de Bordalo Pinheiro e amigo de Olavo Bilac, com quem fundou dois periódicos humorísticos de referência no Brasil. Seria natural (António) de “Vila de Nordeste, em S. Miguel, nos Açores”, o que também assegura Alberto Oliveira Pinto (Pinto, 2012). Na mesma vila nasceu, em 24-2-1854, um homónimo do poeta (Pedro Félix Machado) que foi, a 8-7-1878, provido na função de “Escriturário do Escrivão de Fazenda do concelho de Nordeste, posteriormente promovido a “Escrivão da Fazenda no [vizinho] concelho de Povoação, passando finalmente a “Oficial da Repartição de Fazenda em comissão de Escrivão de Fazenda no concelho e Distrito de Ponta Delgada. Este homónimo pertencia à família nobre dos Machados, onde se filiava também Júlio César Machado, escritor que menciono adiante ao falar nas leituras feitas por Joaquim Dias Cordeiro da Mata. A. F. Machado gerou em Luanda o nosso poeta, com a esposa, “Dona Ana Joaquina do Amaral Machado, natural de Luanda”, cujos pais eram também nascidos em Luanda (Pestana, 2012 p. 8). O progenitor de Pedro e Julião Félix Machado, embora chegando a Angola apenas em 1840, tornou-se rapidamente pessoa de peso na sociedade luandense. Junto algumas notícias que recolhi sobre ele:
  1. Era um dos passageiros que seguia para Luanda, levando também carga sua, a bordo do navio Bella Ângela, que a viúva de José da Silva Maia Ferreira, há pouco falecido, vendera a Francisco de Oliveira Queiroz Regadas. Nesta embarcação também seguiam mercadorias para um B. da C. F. Machado e para A. P. P. Carpo (o famoso negreiro anarquista, de que falo aqui várias vezes, autor do Dedo de Pygmeu). O navio foi preso pelos ingleses poucas horas depois de sair do porto, levado por eles para o Cabo (África do Sul, do outro lado do oceano!), sendo ali julgados e condenados os seus proprietários por tráfico de escravos. A condenação foi polémica, ter-se-á tratado de um dos abusos dos ingleses que, a coberto de razões humanitárias, pretendiam cortar completamente as relações comerciais diretas entre residentes em Angola e no Brasil. Na verdade, o barco não levava escravos (ia para a fonte deles), embora levasse negociantes e cargas para negociantes que podiam estar ligados ao tráfico. As autoridades inglesas consideraram que o que levava podia servir para transformá-lo num navio de escravos no regresso ao Brasil (como se não houvesse madeira em Angola). Entretanto, por documentos que seguiam com o capitão, soube-se que o navio dirigia-se a Angola para depois seguir para Cabo Verde, onde seria vendido caso não se vendesse em Angola, pois era já velha embarcação, pesada, lenta para aquele tráfego. A partir de indícios, alguns deles nada consistentes, as autoridades apreenderam, então, o navio, levaram-no para o Cabo, condenando-o (assim vem na notícia) a 14.8.1844 e sendo todos os bens apreendidos, como de regra, distribuídos entre Portugal e Inglaterra. António Félix Machado reembarcou para Luanda, por Benguela, despachado do Rio de Janeiro a 23.11.1844, segundo o Jornal do Comércio do dia seguinte (p. 2). Tinha por companhia, entre outros, Manuel Basílio da Cunha Reis, um dos últimos e mais ricos traficantes, com muito negócio em Cuba, sócio dos Figanière e do poeta (acabaram desafetos) em Nova York. Seguia também Francisco Lopes da Silva Guimarães (dado como português, provavelmente familiar do ‘mulato do Bungo’, Bernardino da Silva Guimarães, ligado ao tráfico, mas grande bibliófilo) e um italiano que ia para Benguela, “João Catoia”. Ele circulava, portanto, nesta fase inicial da sua vida angolana, dentro da mesma rede comercial e negreira de que o pai José da Silva Maia Ferreira fora um dos expoentes.
  2. Referido, pelo Almanak statistico da província d’Angola e suas dependências e pelo Boletim oficial como “negociante e proprietário” nos anos de 1851, 1852, 1859 e 1860 – fazendo parte da lista de comerciantes “com maior número de autorizações para emitir letras” entre 1846 e 1861 (Ferreira, 2012 pp. 334, 336).
  3. Foi um dos “devotos” que deram “quantias” avultadas para as festividades da Igreja dos Remédios e “Fraternidade” da Senhora das Neves, tal como António da Silva Maia Ferreira (Governo geral da Província de Angola, 1848 p. 3), irmão mais velho (n. 10.8.1824) do poeta das Espontaneidades.
  4. Era Vogal da Junta de Paróquias em 1852.
  5. Em 1 de Janeiro de 1865 era convocado, com demais negociantes de Luanda, para se reunir no Tribunal com o fim de eleger “4 juízes jurados, 2 substitutos e 6 supranumerários”, reportando-se a sua eleição, em 3.º lugar (15 votos – menos um que os dois primeiros) para “jurado efetivo”[23] (Governo geral de Angola, 1865 p. 14);
  6. Assinou uma pública-forma a favor do alfaiate António da Silva Carvalho, juntamente com outros negociantes estabelecidos na praça de Luanda (Governo-geral de Angola, 1865 p. 3);
  7. Foi membro da comissão efetiva do recenseamento de Luanda (juntamente com José Maria da Lembrança Henriques – importante figura do ensino em Angola – e Carlos Augusto da Silva, jornalista de renome no nosso meio)[24];
  8. Integrou a comissão de negociantes eleitores dos “juízes jurados” em 1866, a mesma[25] que já integrara em 1865[26], tendo sido eleito em 3.º lugar;
  9. Era um dos 40 maiores contribuintes do Concelho de Luanda; 
  10. Integrou a Comissão que inspecionou as escrituras da Conservatória, nomeado pelo Governador-Geral[27];
  11. Foi membro da “comissão das pautas”[28];
  12. Integrou, ainda, a “comissão liquidatária do casal de Joaquim António Pereira de Lemos”[29];
  13. Foi “juiz comissário” da falência da grande empresa Moraes & C.ia[30].
  14. Integrava o topo da Associação Comercial de Luanda, segundo Nelson Pestana (Pestana, 2012).
Próximo parente deste António Félix Machado (irmão?) havia de ser Joaquim Félix Machado, negociante referido várias vezes nas páginas do Diário de Pernambuco[31], a última das quais em outubro de 1845. Já em 1837 ele tinha loja no “Páteo do Hospital do Paraizo D16”[32]. O nome do Pátio reporta-nos a um edifício demolido quase todo em 1912 e, totalmente, em 1940, para dar lugar à Av. Guararapes no cruzamento com a Av. Dantas Barreto, bem no centro comercial do Recife. Estas indicações podem-se tornar produtivas num estudo biográfico do sonetista angolano Pedro Félix Machado, sobretudo no que diz respeito aos seus antecedentes e aos anos em que privou no Brasil o seu irmão com Olavo Bilac, já no Rio de Janeiro. Havia, pelos vistos, uma história brasileira na família, anterior ao nascimento dos dois.



Alberto da Costa e Silva tinha, portanto, razão para dizer que, no início de Oitocentos, eram mais numerosos os navios que faziam o percurso entre Angola e o Brasil do que aqueles que ligavam os portos angolanos a Portugal. E, no entanto, juntando os dados todos fica-me a ideia de que a bibliografia que circulava no Recife podia chegar ainda a Angola no decorrer de todo o século XIX, mesmo que os dois mercados se fossem diferenciando à medida que o volume de negócios diretos no Atlântico-sul diminuía.













[1] Diário de Pernambuco. Recife. 279 (23-12-1840) 2.
[2] Diário de Pernambuco. Recife. (7-4-1842) 1.
[3] Diário de Pernambuco. Recife. (25-5-1842) 2.
[4] Diário da Administração Pública de Pernambuco. I, 132 (2.10.1833) 2.
[5] Diário de Pernambuco. Recife. 187 (19.6.1834) 747.
[6] Diário de Pernambuco. Recife. 146 (7-7-1840) 3. O anúncio vem datado de “Pernambuco, 6 de Julho de 1840”.
[7] Diário de Pernambuco. Recife. 261;263 (28-11-1840;2-12-1840) 3;3.
[8] Diário de Pernambuco. Recife. 231 (22-10-1840) 4.
[9] Segundo o Diário de Pernambuco (12-7-1842) ficou em 3.º lugar em 1842, com 823 votos (o 1.º teve 971, o 2.º 909 e o último 365).
[10] Ano 1852, tomo II, pp. 244-256.
[11] Segundo o registo publicado no Jornal do Comércio (Porto do Rio de Janeiro, 1844) estava entre as barcas “surtas neste porto a 29 de Dezembro de 1843”.
[12] Diário de Pernambuco. Recife. 11-1-1842. p. 4. Repete-se no número, dia e página seguintes.
[13] Diário de Pernambuco. Recife. 81 (9-4-1840) 4.
[14][14] Penso que o próprio poeta foi maçom. Numa carta citada por William Rougle, escrita à mulher em 20.1.1861 (de Havana), já não fala no “Deus” das Espontaneidades, mas no “Supreme Power” (Rougle, 1991 p. 187). Como facilmente se pode confirmar, Freemasons assert the existence of a Supreme Power under the name of «The Great Architect of the Universe»”.
[15] Diário de Pernambuco. Recife. 11 (15-1-1840) 3.
[16] Diário de Pernambuco. Recife. 117 (2-6-1837) 4.
[17] Diário de Pernambuco. Recife. 2 (3-1-1837) 4.
[18] Diário de Pernambuco. Recife. 249;251 (14-11-1840;17-11-1840) 4;3.
[19] Diário de Pernambuco. Recife. 40 (18-2-1840) 4.
[20] Diário de Pernambuco. Recife. 2 a 4 (3-1-1840 a 7-1-1840) 4;3;3. 
[21] LUANDA. Governo-geral da província de Angola – Boletim oficial. – 26 (24-06-1865) 114.
[22] Diário de Pernambuco. Recife. 60 (14-3-1845) 3.
[24] LUANDA. Governo-geral da província de Angola – Boletim oficial. 3;41 (17-01-1874;10-10-1874) 23;484. Carlos Augusto da Silva fazia parte, em 1865, dos “40 contribuintes mais coletados” de Luanda e foi eleito substituto para a “comissão revisora do recenseamento” para esse ano. No mesmo Boletim, mas no nº 2, de 10.1.1874 (p. 2 - na numeração, de facto a p. 2), se menciona que pagava à Fazenda 1$107.
[25] LUANDA. Governo-geral da província de Angola – Boletim oficial. 41 (10-10-1874) 487.
[26] LUANDA. Governo-geral da província de Angola – Boletim oficial. 2 (07-01-1865) 8. Também Carlos Augusto da Silva faz parte da lista de negociantes.
[27] LUANDA. Governo-geral da província de Angola – Boletim oficial. 9 (28-02-1874) 97.
[28] LUANDA. Governo-geral da província de Angola – Boletim oficial. 13 (28-03-1874) 147.
[29] LUANDA. Governo-geral da província de Angola – Boletim oficial. 15 (11-04-1874) 180.
[30] LUANDA. Governo-geral da província de Angola – Boletim oficial. 20 (10-05-1874) 234.
[31] Por exemplo: Diário de Pernambuco. Recife. 88; 97; 56 (21-4-1837;5-5-1837;10-3-1845) 4;4;3.
[32] Diário de Pernambuco. Recife. 45 (25.2.1837) 3.

Comentários

  1. Grato pela disponibilização deste estudo, sobretudo no que diz respeito ao poeta Maia Ferreira, informo que foi recentemente publicado um verbete biográfico sobre o seu parente Luís de Queiroz Monteiro Regadas, cuja referência completa indico abaixo. Este verbete corresponde a uma diminuta parte dos dados que recolhi, pois há bastantes anos pesquiso a família Silva Maia / Queiroz Monteiro Regadas, que são os meus antepassados do lado paterno. Estou ao dispor.

    QUEIROZ, Francisco - "Luís de Queiroz Monteiro Regadas", in Património Humano. Personalidades Gaienses. Coordenação de Gonçalo de Vasconcelos e Sousa. Volume publicado no âmbito do projecto "Património Cultural de Gaia", coordenado por J. A. Gonçalves Guimarães. Gaia, Câmara Municipal de Gaia / Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana, 2018 (ISBN: 978-972-581-079-8), p. 83
    URL: https://pt.slideshare.net/queirosiana/patrimnio-humano-personalidades-gaienses-1-volume

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  2. Boa tarde.
    Muito obrigado pelas informações.
    Penso que será útil para ambos conversarmos. Caso concorde, envie-me mensagem com seu endereço eletrónico, por favor.
    Tenho dificuldade em ler aquele 'slideshare' no 'linkedin'. As letras aparecem muito pequenas. Haverá outra maneira de consultar?
    Não sei se viu também O significado de Maia Ferreira para a História da Literatura Angolana, outra página daqui. Endereço: https://kicola.xn--svisto-bxa.com/p/o-significado-de-maia-ferreira-para.html - lá falo também nos ascendentes de Maia Ferreira.
    Aguardo contacto e, mais uma vez, obrigado.

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  3. Eu é que agradeço. Uma vez que não encontro neste blogue a opção de envio de mensagem privada ao autor, peço que me contacte para o endereço franciscoqueiroz[arroba]sapo[ponto]pt

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